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PÃO-PAZ

O pão chega pela manhã em nossa casa.
Traz um resto de madrugada.
Cheiro de forno aquecido, de lêvedo e de lenha queimada.
Traz as mãos rudes do trabalhador e a Paz dos campos cheios.
Vem numa veste pobre de papel.
Por que não o receber numa toalha de linho puro e com as mãos juntas em prece e gratidão?

Para fazê-lo assim tão fácil e de fácil entrega, homens laboriosos
de países distantes e de fala diferente trabalharam a terra, reviraram,
sulcaram, gradearam, revolveram, oxigenaram e lançaram a semente.

A semente levava o seu núcleo de vida.
O sol, a umidade, o sereno e a noite tomaram dela, e fez-se o milagre da germinação.

O campo se tornou verde em flor, e veio junto o joio, convivente, excrescente,
já vigente nas parábolas do Evangelho.
O trigal amadureceu e entoou seu cântico de vida num coral de vozes vegetais.

Venham... venham... venham...
E vieram os ceifeiros e cortaram o trigo,
e arrancaram e queimaram o joio.

Cortaram e ajuntaram os feixes.
Malharam e ensacaram o grão.
E os grandes barcos graneleiros o levaram
por caminhos oceânicos a países diferentes e a gentes de fala estranha.

Foi transportaods aos moinhos.
As engrenagens moeram, desintegraram.
Separaram o glúten escuro, o próprio e pequenino coração
do trigo até as alvuras do amido
de que se faz o pão alvo universal.

Transformaram a semente dourada num polvilhamento branco de leite,
que é levado às masseiras e cilindros onde os padeiros de batas e gorros brancos
ensejam, elaboram e levedam a massa.
Cortam, recortam, enformam, desenformam e distribuem pelas casas,
enquanto a cidade dorme.

O Padeiro é o ponteiro das horas, é o vigia do forno
quando a cidade se aquieta e ressona.
É o operário modesto, traquilo e consciente
da noite silenciosa e da cidade adormecida.
É o mestre e dá uma lição de trabalho confiante e generoso.

Pela manhã a padaria aberta, recedente, é a festa alegre das ruas e dos bairros.
Devia ter feixes de trigo enfeitando suas portas.

É por esse caminho tão largo, tão longo,
tão distante e deslembrado que o pão vem à nossa casa.
Ele chega cantando, ele chega rezando e traz consigo uma bandeira de seis letras:

PÃO-PAZ.

Haverá sempre esperança de paz na Terra enquanto houver um semeador semeando trigo
e um padeiro amassando e cozendo o pão,
enquanto houver a terra lavrada e o eterno e obscuro labor pacífico do homem,
numa contínua permuta amistosa dos campos e das cidades.

Para chegar à nossa casa em ritmo de rotina,
o Pão fez sua longa caminhada na terra e nos mares.
Passou de mão em mão como uma grande benção de gerações pretéritas.
Pela sua presença fácil em todas as mesas,
eu vos dou graças, meu Deus.

Fazei, Senhor, com que as sobras das mesas fartas
sejam levadas em vosso nome àqueles que nada tem
e que a códea largada na abundância nunca seja lançada dom desprezo.
Haverá sempre uma boca faminta à sua espera.
Graças, Senhor, pelo primeiro semeador que lançou a primeira semente na terra
e pelo homem que amassou, levedou e cozeu o primeiro pão.

Graças, meu Deus, por essa bandeira branca de Paz
que traz a certeza do Pão.
Graças pelas mil vezes que os Livros Santos
escrevem e confirmam a palavra generosa e suave:


PÃO.



Poema de Cora Coralina

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