sábado, 24 de julho de 2010

Informe Técnico nº. 40, de 2 de junho de 2009

2 de junho de 2009

Esclarecimentos sobre o uso do edulcorante ciclamato em alimentos

Em resposta a várias demandas recebidas pela Anvisa a respeito da segurança de uso do aditivo edulcorante ciclamato em alimentos, em especial em bebidas não alcoólicas com informação nutricional complementar (por exemplo, refrigerantes “zero”, “sem açúcar”), informamos o que segue.

O ciclamato foi descoberto em 1937 e aprovado como aditivo alimentar, na função de edulcorante, pela U.S. Food and Drug Administration (FDA) em 1949. No Brasil, essa substância começou a ser produzida em 1977. O ciclamato é aproximadamente 30-40 vezes mais doce que a sacarose e pode ser comercializado sob a forma de cristais brancos ou como pó cristalino e sem odor.

As dúvidas quanto à segurança de uso de ciclamato iniciaram após a observação de que alguns indivíduos e certos animais eram capazes de metabolizar ciclamato a cicloexilamina e de que a sua ingestão crônica aumentava a incidência de tumores de bexiga em ratos. Por esse motivo, o ciclamato foi proibido nos EUA em setembro de 1970. Contudo, a FDA recebeu petição do setor produtivo para revisar essa proibição, a qual está atualmente em análise.

A partir de então, foram conduzidos muitos estudos sobre carcinogênese envolvendo ciclamato, sozinho ou em misturas com sacarina, não tendo sido demonstrada incidência estatisticamente significativa de tumores na bexiga dos animais testados. A pedido da FDA, as informações disponíveis sobre ciclamato foram reavaliadas em 1985 pela National Academy of Sciences e pelo National Research Council Committee, os quais concluíram que à luz de evidências experimentais e epidemiológicas, o ciclamato não era carcinogênico. Entretanto, considerou-se que existem algumas evidências com relação a uma atividade do ciclamato como promotor de câncer ou co-carcinogênico e que o uso da mistura ciclamato-sacarina pode estar associada ao aumento no risco de câncer de bexiga. Uma pesquisa feita pelo Instituto Nacional de Câncer dos EUA avaliou, durante 17 anos, a ingestão por macacos de quantidades diárias (cinco vezes por semana) de ciclamato equivalentes àquelas constantes em 30 latas de refrigerante dietético Esse estudo revelou que nenhum dos animais contraiu câncer de bexiga.

O ciclamato de sódio é biotransformado no intestino a cicloexilamina, derivado que pode apresentar efeitos adversos à saúde. Cerca de 37% do composto ingerido são absorvidos sem sofrer biotransformação hepática, graças à sua alta hidrossolubilidade. A fração não absorvida fica disponível na luz intestinal e sob ação da flora bacteriana local transforma-se em cicloexilamina em uma razão de conversão de 30%. Sua remoção do organismo na forma inalterada dá-se quase que totalmente pela urina. A taxa de conversão de ciclamato a cicloexilamina varia entre indivíduos, não sendo constante ou previsível, e depende aparentemente da flora intestinal. Entre muitos voluntários testados, a maior parte apresentou habilidade limitada de converter ciclamato (<1%) e um pequeno grupo mostrou-se capaz de converter até 60% do ciclamato ingerido.

Desde a década de 60, tanto ciclamato quanto o seu metabólito cicloexilamina foram testados extensamente em muitos animais quanto a possíveis efeitos tóxicos, incluindo mutagenicidade e genotoxicidade, não tendo sido demonstrada qualquer toxicidade significativa destes compostos, com exceção do fenômeno de atrofia testicular, associado à cicloexilamina. Existem, no entanto, dúvidas quanto à relevância deste efeito tóxico para a saúde humana, considerando-se as altas doses necessárias para a sua manifestação e a baixa capacidade do homem de converter ciclamato a cicloexilamina. A toxicidade a curto prazo também tem sido estudada sem, porém, mostrar efeitos significativos.
Em 1999 o ciclamato foi classificado pela Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer (Iarc) como pertencente ao Grupo 3, isto é, não carcinogênico para humanos. Segundo a Iarc, “há evidência inadequada em animais de laboratório e em humanos para a carcinogenicidade de ciclamatos”.

As normas brasileiras que determinam os limites máximos de aditivos alimentares são elaboradas com base em referências internacionais, como o Codex Alimentarius (Norma Geral de Aditivos Alimentares – GSFA), a União Européia e, de forma complementar, a U. S. Food and Drug Administration (FDA). Além disso, por acordo firmado no Mercosul, somente aditivos que constam da Lista Geral Harmonizada – Resolução GMC n. 11/2006 – podem ser autorizados pelos Estados Partes, incluindo Brasil. O uso de ciclamato está previsto na GSFA, considerada a principal referência, e em Diretiva da UE, bem como na Lista Geral Harmonizada de Aditivos do Mercosul.

Para aprovação de limites máximos para aditivos alimentares são considerados os valores da Ingestão Diária Aceitável (IDA) estabelecidos para os aditivos pelo Comitê FAO/OMS de Especialistas em Aditivos Alimentares (Jecfa) após avaliação toxicológica, e também é considerada a ingestão estimada dos aditivos pelo consumo de alimentos.

O Jecfa é o comitê científico que realiza avaliação de segurança de uso de aditivos para alimentos, assessorando o Comitê Codex de Aditivos Alimentares (CCFA) em suas decisões. A IDA é um parâmetro toxicológico de longo prazo, definida como “quantidade estimada de uma substância química, expressa em mg por kg de peso corpóreo (mg/kg p.c.), que pode ser ingerida diariamente durante toda a vida sem oferecer risco apreciável à saúde, à luz dos conhecimentos toxicológicos disponíveis na época da avaliação”. As especificações químicas e as avaliações toxicológicas dos aditivos podem ser consultadas no sítio eletrônico do Jecfa, por meio do INS (Sistema Internacional de Numeração de aditivos, elaborado pelo Codex Alimentarius) ou nome da substância.

A última avaliação do edulcorante ácido ciclâmico e seus sais de sódio e cálcio (INS 952) realizada pelo Jecfa aconteceu em 1982, em que foi estabelecida a IDA de 11 mg/kg p.c. Isso significa que uma criança de 30 kg poderia consumir diariamente no máximo 330 mg de ciclamatos e um adulto de 60 kg poderia ingerir até 660 mg. Para o cálculo da IDA, o Jecfa considerou o NOEL (No Observed Effect Level – maior dose sem efeito observado) de 100 mg/kg p.c., relativo ao efeito de atrofia testicular observado para a cicloexilamina, assumindo que 63% do ciclamato absorvido estão disponíveis para a conversão a cicloexilamina e que a taxa média de conversão é de 30%.

A legislação brasileira que aprova o uso de aditivos alimentares é positiva e, como tal, estabelece que um aditivo somente pode ser utilizado pela indústria alimentícia quando estiver explicitamente definido em legislação específica, com as respectivas funções, limites máximos de uso e categorias de alimentos permitidas. O que não constar da legislação, não tem permissão para ser utilizado em alimentos.

A Portaria SVS/MS n. 540, de 27 de outubro de 1997, aprova o Regulamento Técnico sobre aditivos alimentares, estabelecendo suas definições, classes funcionais e critérios de uso. De acordo com o item 2.4 da Portaria 540/1997, o emprego de aditivos em alimentos justifica-se por razões tecnológicas, sanitárias, nutricionais ou sensoriais, desde que suas concentrações totais não superem os valores de IDA estabelecidos pelo Jecfa. O item 3.7 dessa Portaria prevê a utilização de aditivos na função de edulcorantes, ou seja, substâncias diferentes dos açúcares que conferem sabor doce ao alimento.

A Resolução RDC n. 18, de 24 de março de 2008, dispõe sobre o emprego de edulcorantes em alimentos, estabelecendo seus limites máximos expressos em g/100g ou g/100mL do produto pronto para consumo. De acordo com essa legislação, o uso de edulcorantes somente é justificável para alimentos em que houve redução parcial ou total de açúcares. Sendo assim, a RDC 18/2008 aprova a utilização de edulcorantes em alimentos e bebidas para dietas com ingestão controlada de açúcares, para dietas com restrição de açúcares, para controle de peso e com informação nutricional complementar.

A legislação anterior – Resolução RDC n. 3/2001 – aprovava o limite máximo de 1300 mg/kg para ciclamato em alimentos. Resultados da estimativa da Ingestão Diária Máxima Teórica (IDMT) desse aditivo, realizada pela Gerência Geral de Alimentos da Anvisa com dados de aquisição familiar de alimentos disponibilizados pelo IBGE (POF 2003), e de estudo realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) por meio da aplicação de questionário sobre consumo de alimentos a alguns indíviduos, indicaram que há possibilidade de que o valor da IDA seja ultrapassado por pessoas que consomem somente alimentos dietéticos, os quais podem conter o edulcorante. Portanto, com a publicação da RDC 18/2008, que revoga a RDC 03/2001, o limite máximo de ciclamato foi reduzido de 1300 mg/kg para 400 mg/kg, que era o mesmo limite autorizado pela Comunidade Européia (Diretivas 94/35/CE e 2003/115/CE) para várias categorias de alimentos, e menor que os limites definidos na GSFA/ Codex Alimentarius.

Referências bibliográficas

1. BARUFFALDI, R.; OLIVEIRA, M. N. 1988.
Fundamentos de Tecnologia de Alimentos. Volume 3, Ed. Atheneu, São Paulo-SP.

2. BRASIL. Portaria SVS/MS n. 540 de 27/10/1997 – Regulamento Técnico: Aditivos Alimentares – definições, classificação e emprego.

3. BRASIL. Resolução RDC n. 17 de 30/04/1999 – Regulamento Técnico que estabelece as Diretrizes Básicas para a Avaliação de Risco e Segurança dos Alimentos.

4. BRASIL. Resolução RDC n. 18 de 24/03/2008 – Regulamento Técnico que autoriza o uso de aditivos edulcorantes em alimentos, com seus respectivos limites máximos.

5. CODEX ALIMENTARIUS. Decisões do Comitê Codex sobre Aditivos Alimentares (CCFA), constantes de ALINORM (relatórios das reuniões).

6. CODEX ALIMENTARIUS. CAC/GL 03-1989. Guidelines for Simple Evaluation of Food Additive Intake.

7. CODEX ALIMENTARIUS. Norma Geral para Aditivos Alimentares (GSFA) – CAC/STAN 192-1995 (última revisão).

8. Guia de Procedimentos para Pedidos de Inclusão e Extensão de Uso de Aditivos Alimentares e Coadjuvantes de Tecnologia de Fabricação na Legislação Brasileira. 2009. Gacta/ Ggali/ Anvisa / MS.

9. IARC. International Agency for Research on Cancer.

10. IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares – Aquisição alimentar domiciliar per capita – Brasil e Grandes Regiões. POF 2002-2003.

11. JECFA. Guidelines for the preparation of toxicological working papers for the JECFA – Genebra, Dezembro/2000.

12. JECFA. Summary of Evaluations Performed by JECFA.

13. JECFA. WHO Food Additives Series e FAO Food and Nutrition Paper.

14. MERCOSUL. Resolução do Grupo Mercado Comum (GMC) n. 11/2006 - Regulamento Técnico Mercosul sobre “Lista Geral Harmonizada de Aditivos Alimentares e suas Classes Funcionais”.

15. MIDIO, A. F.; MARTINS, D. I. 2000. Toxicologia de alimentos. Livraria Varela, São Paulo-SP.

16. SIMÃO, A. M. 1985. Aditivos para alimentos sob o aspecto toxicológico. Nobel, São Paulo-SP.

17. TOLEDO, M. C. F. 2005. Curso de atualização sobre aditivos para alimentos. Optionline, São Paulo-SP.

18. TOLEDO, M. C. F. 1996. Parte 5: Toxicologia de alimentos. In: OGA, S. Fundamentos de toxicologia. Ed. Atheneu, São Paulo-SP.

19. UNIÃO EUROPÉIA. Diretiva 95/2/EC (aditivos alimentares, exceto corantes e edulcorantes), Diretiva 94/36/EC (corantes), Diretiva 94/35/EC (edulcorantes) e suas atualizações.

20. FDA. U.S. Food and Drug Administration. Code of Federal Regulations (CFR)

ASCOM/ Assessoria de Imprensa da Anvisa

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