sábado, 24 de julho de 2010

Informe Técnico nº. 37, de 28 de julho de 2008

Botulismo Intestinal

Em maio de 2007 um famoso noticiário semanal divulgou reportagem na qual relatou que 16% do mel brasileiro poderia estar contaminado com Clostridium botulinum. Produtores e comercializadores de mel – representados na Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Mel e Produtos Apícolas, sob responsabilidade do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – mostraram-se muito preocupados com a repercussão daquela reportagem sobre o comércio do produto. Assim, demandaram da Anvisa, representada naquela Câmara Setorial pela Gerência de Ações de Ciência e Tecnologia de Alimentos/ Gerência Geral de Alimentos/ Anvisa (GACTA/ GGALI/ Anvisa), manifestação sobre o assunto. Preocupada com essa possível contaminação do mel brasileiro, a GACTA/ GGALI/ Anvisa pautou o assunto na 22ª e 23ª reuniões ordinárias da Câmara Técnica de Alimentos – fórum formado por especialistas de notório saber, os quais fornecem suporte técnico à Gerência Geral de Alimentos da Anvisa. Seguindo orientações dos especialistas, aquela Gerência estabeleceu contato com a Coordenação de Vigilância das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar/ Secretaria de Vigilância em Saúde/ Ministério da Saúde a fim de saber se haveria casos notificados de Botulismo Intestinal no país. Até aquele momento não havia qualquer notificação de caso confirmado da doença no Brasil. Com base em publicações oficiais da Secretaria de Vigilância em Saúde/ Ministério da Saúde e publicações científicas sobre contaminação do mel brasileiro com C. botulinum elaborou-se o presente documento.

1 Descrição da doença
O botulismo é um doença neuroparalítica grave, não contagiosa, resultante da ação de uma potente toxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum. Apresenta elevada letalidade e deve ser considerado uma emergência médica e de saúde pública. Para minimizar o risco de morte e seqüelas, é essencial que o diagnóstico seja feito rapidamente e que o tratamento seja instituído precocemente. Quando causado pela ingestão de alimentos contaminados, é considerado como doença transmitida por alimento. A notificação de um caso suspeito é considerada como surto. A exposição a alimentos com risco para presença de esporo de C. botulinum reforça a suspeita em menores de um ano. Nas amostras de alimentos é comum encontrar formas esporuladas do Clostridium botulinum, em especial no mel. É importante salientar que neste alimento, devido ao alto conteúdo de açúcar e baixa atividade de água, o esporo não tem condições de germinar e, portanto, não há produção de toxina. O botulismo intestinal só se inicia após a transformação do Clostridium botulinum da forma esporulada para a forma vegetativa, que se multiplica e libera toxina no intestino.

2 Agente etiológico
O Clostridium botulinum é um bacilo gram-positivo, anaeróbio, esporulado e sua forma vegetativa produz toxinas patogênicas para o homem.

3 Reservatório
Os esporos do Clostridium botulinum são amplamente distribuídos na natureza, em solos e sedimentos de lagos e mares. São identificados em produtos agrícolas como legumes, vegetais e mel e em intestinos de mamíferos, peixes e vísceras de crustáceos.

4 Modo de transmissão
O botulismo intestinal ocorre com maior freqüência em crianças com idade entre 3 e 26 semanas – por isso foi inicialmente denominado botulismo infantil – devido à ingestão de esporos da bactéria presentes no alimento, seguida de sua fixação e multiplicação no intestino. A ausência da microbiota de proteção permite a germinação de esporos e a produção de toxina na luz intestinal. Em adultos são descritos alguns fatores predisponentes, como cirurgias intestinais, acloridria gástrica, doença de Crohn e/ou uso de antibióticos por tempo prolongado, que levaria à alteração da flora intestinal.

5 Período de incubação
O período de incubação não é conhecido devido a impossibilidade de determinar o momento da ingestão de esporos. Períodos de incubação curtos sugerem maior gravidade e maior risco de letalidade.

6 Período de transmissibilidade
Não há relato de transmissão de uma pessoa a outra.

7 Manifestações clínicas
Nas crianças, o aspecto clínico do botulismo intestinal varia de quadros com constipação leve à síndrome de morte súbita. Manifesta-se inicialmente por constipação e irritabilidade, seguidos de sintomas neurológicos caracterizados por dificuldade de controle dos movimentos da cabeça, sucção fraca, disfagia, choro fraco, hipoatividade e paralisias bilaterais descendentes, que podem progredir para comprometimento respiratório. Casos leves caracterizados apenas por dificuldade alimentar e fraqueza muscular discreta têm sido descritos. Em adultos, suspeita-se de botulismo intestinal caso apresentem paralisia flácida aguda, simétrica e descendente, com preservação do nível de consciência caracterizado por um ou mais dos seguintes sinais e sintomas: visão turva, diplopia, ptose palpebral, boca seca, disartria, disfagia ou dispnéia na ausência de fontes prováveis de toxina botulínica, como alimentos contaminados, ferimentos ou uso de drogas. O botulismo intestinal tem duração de duas a seis semanas, com instalação progressiva dos sintomas por uma a duas semanas, seguida de recuperação em três a quatro semanas.

8 Complicações
Desidratação e pneumonia por aspiração podem ocorrer, precocemente, antes mesmo da suspeita de botulismo ou do primeiro atendimento no serviço de saúde. Infecções respiratórias podem ocorrer em qualquer momento da hospitalização. A longa permanência sob assistência ventilatória e os procedimentos invasivos são considerados importantes fatores de risco.

9 Diagnóstico clínico
A anamnese e exames físico e neurológico do paciente são imprescindíveis para o diagnóstico do botulismo intestinal. Por ser uma doença do sistema nervoso periférico, o botulismo não está associado a sinais de envolvimento do sistema nervoso central. Movimentos involuntários, diminuição do nível de consciência, ataxia, crises epilépticas (convulsões), espasticidade, assimetria significativa da força muscular e déficit sensitivo em indivíduos normais não são manifestações indicativas do botulismo.

10 Diagnóstico laboratorial
O diagnóstico laboratorial mais comum consiste na detecção da toxina botulínica por meio de bioensaio em camundongos. Realiza-se também o isolamento da bactéria através de cultura de amostras.

11 Tratamento
O sucesso do tratamento da doença está diretamente relacionado à precocidade com que é iniciado e às condições do local em que é realizado. Apóia-se em dois conjuntos de ações: tratamento de suporte e tratamento específico.

12 Prognóstico
Um tratamento de suporte meticuloso pode resultar em completa recuperação. A letalidade do botulismo diminui de forma considerável quando a assistência médica dos pacientes é prestada em unidades de terapia intensiva (UTI). Mortes precoces geralmente resultam de falha em reconhecer a gravidade da doença e retardo em iniciar a terapia. Quando as mortes ocorrem após a segunda semana, geralmente resultam de complicações, como as associadas à ventilação prolongada.

13 Aspectos epidemiológicos
Os casos de botulismo intestinal têm sido notificados na Ásia, Austrália, Europa, América do Norte e América do Sul. A incidência e a distribuição real não são precisas porque os profissionais de saúde em poucas ocasiões suspeitam de botulismo. Ele pode ser responsável por 5% dos casos de morte súbita em lactentes. Nos Estados Unidos são notificados aproximadamente 100 casos por ano.

14 Aspectos sanitários
Cereser e colaboradores (2008), realizando revisão bibliográfica, revelaram que pesquisas microbiológicas em todo o mundo têm encontrado esporos de Clostridium botulinum entre 4 e 25% das amostras estudadas.

Schocken-Iturrino e colaboradores (1999) pesquisaram a presença de esporos de C. botulinum em 85 amostras de mel obtidas aleatoriamente em diversas fontes comerciais (supermercados, pequenos apiários e entrepostos) de quatro Estados brasileiros (Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo). Dessas amostras, vinte e três (27,06%) apresentaram crescimento de microrganismos com turbidez e produção de gás. Esfregaços confirmaram as culturas como bastonetes Gram-positivos produtores de esporos. As demais 62 (72,94%) amostras apresentaram outros tipos de bactérias, principalmente cocos. Das 85 amostras analisadas, seis foram positivas para C. botulinum (7,06%), das quais duas foram identificadas como produtoras de toxinas A (considerada uma das mais perigosas para humanos), uma, de toxina B e as outras três, de toxina D.

Rall e colaboradores (2003), pesquisando 100 amostras de mel vendido em supermercados, feiras-livres e comércio porta-a-porta em várias cidades do Estado de São Paulo, observaram que todas as amostras foram negativas para Salmonella, Shigella e coliformes totais, mas 3% delas apresentaram esporos de C. botulinum. Além disso, observaram a presença de fungos e leveduras em 64% das amostras, sendo que somente 25% excederam os critérios estabelecidos, atingindo contagens que variaram de zero a 1,5 x 105 UFC/g. Observaram ainda pequenos bastonetes Gram-positivos esporogênicos em 42% das amostras.

Ragazani e colaboradores (2008) analisaram cem amostras de mel comercializadas por ambulantes, mercados e feiras livres, em seis Estados do Brasil (São Paulo, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Ceará, Santa Catarina). Em 61% das amostras, observaram a presença de bactérias esporuladas. Dentre essas amostras, 39% apresentaram bactérias sulfito-redutoras, sendo que 11% eram do gênero Clostridium e 28% do gênero Bacillus. Dentre os 11% isolados de Clostrídios, 7% foram confirmados como sendo Clostridium botulinum. Assim os resultados obtidos por Ragazani e colaboradores (2008) reforçam a recomendação de que o mel não deve ser incluído na dieta de crianças menores de um ano de idade.

15 Notificação
Conforme a Portaria SVS/MS n. 5, de 21 de fevereiro de 2006, o botulismo é doença de notificação compulsória. A suspeita de um caso de botulismo exige notificação à vigilância epidemiológica local e investigação imediata. Uma vez caracterizada a suspeita de botulismo, tal fato deve ser comunicado, imediatamente, aos níveis hierárquicos superiores e áreas envolvidas na investigação, dando início ao planejamento das ações.

16 Estratégias de prevenção
A população deve ser orientada sobre o preparo, a conservação e o consumo adequado dos alimentos associados a risco de adoecimento. Especificamente no caso do botulismo intestinal, os pais e educadores devem ser alertados para não incluir o mel na alimentação de crianças menores de um ano de idade.
Medidas sanitárias cabíveis devem ser adotadas de acordo com a legislação vigente e a situação encontrada.

17 Bibliografia

BOTULISMO Infantil – Cidade de Nova Iorque, 2001-2002. Morbidity and Mortality Weekly Report, v.52, n.2, Jan. 17, 2003. Acesso em: 2 ago. 2007. Traduzido em 27 jan. 2003 por: Moura Filho, E. A. de, em parceria CGPNI/CENEPI/FUNASA/MS-OPAS.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde.
Guia de vigilância epidemiológica. 6ª.ed. Brasília : Ministério da Saúde, 2005. p.170-186. Série A. Normas e Manuais Técnicos. Acesso em 2 ago. 2007.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso. 6ª.ed. rev. Brasília : Ministério da Saúde, 2005. p.59-64. Série B. Textos Básicos de Saúde. Acesso em: 2 ago. 2007.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Inclui doenças na relação nacional de notificação compulsória, define doenças de notificação imediata, relação dos resultados laboratoriais que devem ser notificados pelos Laboratórios de Referência Nacional ou Regional e normas para notificação de casos. Portaria SVS/MS n. 5, de 21 de fevereiro de 2006. Acesso em: 2 ago. 2007.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual integrado de vigilância epidemiológica do botulismo. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2006.
88 p. Série A. Normas e Manuais Técnicos. Acesso em: 2 ago. 2007.

CERESER, N.D.; COSTA, F.M.R.; ROSSI JÚNIOR, O.D.; SILVA, D.A.R. da; SPEROTTO, V.da R. Botulismo de origem alimentar. Ciência Rural, Santa Maria, v.38, n.1, p.280-287, jan-fev, 2008. Acesso em: 16 jul 2008.

RAGAZANI, A.V.F.; SCHOKEN-ITURRINO, R.P.; GARCIA, G.R.; DELFINO, T.P.C.; POIATTI, M.L.; BERCHIELLI, S.P. Esporos de Clostridium botulinum em mel comercializado no Estado de São Paulo e em outros Estados brasileiros. Ciência Rural, Santa Maria, v.38, n.2, mar-abr 2008. Acesso em: 16 jul 2008.

RALL, V.L.M.; BOMBO, A.J.; LOPES, T.F.; CARVALHO, L.R.; SILVA, M.G. Honey consumption in the state of São Paulo: a risk to human health? Anaerobe, v.9, n.6, p.299-303. 2003.

SCHOCKEN-ITURRINO, R.P.; CARNEIRO, M.C; KATO, E.; SORBARA, J.O.B.; ROSSI, O.D.; GERBASI, L.E.R. Study of the presence of the spores of Clostridium botulinum in
honey in Brazil. FEMS Immunology and Medical Microbiology, v.24, n.3, p. 379-382. Jul. 1999

Fonte: Anvisa

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