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sexta-feira, 7 de outubro de 2011
Marie Curie no Brasil
Marie Sklodowska Curie
Reprodução: Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais - Cememor Fac.Medicina UFMG
Os jornais deram ampla cobertura e abriram espaço para reportagens, fotos e entrevistas com a eminente figura; as emissoras de rádio divulgaram a agenda de palestras, dados sobre a vida e a programação da visitante em território brasileiro. Ao desembarcar do navio Pincio no porto do Rio de Janeiro, em 15 de julho de 1926, a polonesa Marie Sklodowska Curie foi saudada por repórteres de jornais como O Globo, O Paiz, O Estado de São Paulo, A Gazeta Clínica e o Jornal do Brasil, e pela comunidade científica brasileira. O alvoroço da imprensa era justificado pela importância da visitante: na década de 1920, Marie Curie era uma das cientistas mais conceituadas e admiradas do mundo. Já ganhara dois Prêmios Nobel, de física, em 1903, e de química em 1911, por suas descobertas sobre a radioatividade e os elementos químicos polônio e rádio; era a primeira mulher a dar aulas na Universidade Sorbonne; fundara e coordenava o Instituto do Rádio, em Paris, que fazia pesquisas para tratamento do câncer. Madame Curie, como era chamada na época, também ganhou a simpatia mundial ao desenvolver aparelhos de raios-X, equipar veículos com eles, treinar enfermeiros para operá-los e levá-los aos campos de batalha da primeira guerra mundial, para atendimento dos soldados feridos em combate. Era uma cientista em plena atividade, e trabalhava pela divulgação da ciência e do conhecimento científico.
Já o Brasil vivia um período de grande interesse pelas descobertas científicas, e cientistas estrangeiros eram convidados a vir ao país para dar aulas, visitar centros de pesquisas e conhecer as potencialidades de um país que começava a despertar para as ciências. Um ano antes da chegada da cientista polonesa o Brasil já recebera Albert Einstein, que teve tratamento digno de celebridade. Além dos jornais, que divulgavam a agenda desses visitantes, o rádio, primeiro meio de comunicação de massa, transmitia programas científicos e de divulgação cultural a um público ávido por notícias, novidades e informação. Nas primeiras décadas do século XX a pequena comunidade acadêmica do país era receptiva a grandes nomes da química, da física, da matemática, e além de Madame Curie, o país também recebeu cientistas ilustres como os matemáticos Jacques Hadamard e Émile Borel, o antropólogo Paul Rivet e o físico Paul Langevin.
Rio de Janeiro:
Marie Curie passou 45 dias no Brasil, acompanhada da filha mais velha, Irène. Veio a convite do Instituto Franco-Brasileiro de Alta Cultura, hoje extinto, uma instituição voltada à divulgação científica mantida pela embaixada francesa no Rio de Janeiro. O Instituto organizou na então capital federal uma série de conferências sobre a radioatividade na Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, tendo Madame Curie como principal oradora. As conferências foram realizadas na escola, localizada no Largo de São Francisco de Paula, no centro do Rio. A primeira emissora de rádio do país, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, fundada quatro anos antes por Roquette Pinto, chegou a transmitir as conferências. Os jornais deram destaque à presença da cientista e fizeram muitas reportagens para falar de sua vida, seu trabalho e sua agenda no Brasil. Na série de palestras da Escola Politécnica, sempre às terças e sextas feiras, ela tratou de temas ligados à radioatividade, abordando a cada dia questões como as transformações radioativas, os efeitos das radiações, as famílias dos radioelementos e os depósitos das emanações. As palestras eram acompanhadas pela imprensa, e noticiadas com grande destaque, principalmente pelo jornal O Paiz.
As notícias da época informam que, entre um compromisso acadêmico e outro, Madame Curie teve interesse em conhecer pontos turísticos e culturais do Rio, como a Ilha de Paquetá, o Pão de Açúcar, o Jardim Botânico e o Museu Nacional, que já mantinha um grande acervo científico, localizado na Quinta da Boa Vista. No livro Madame Curie, a filha caçula, Eve Curie, contou que a mãe aproveitou sua estadia no Rio para passear incógnita pela cidade, descansar e tomar muitos banhos de mar.
Visita ao Pão de Açúcar Foto: Museu Curie/Paris -
São Paulo:
A viagem do Rio a São Paulo foi feita pelo trem noturno, em um carro especialmente reservado para Curie e sua comitiva. A cientista chegou a São Paulo no dia 13 de agosto acompanhada da filha Irène, de Bertha Lutz, Dra. Carlota Pereira de Queiroz e Nininha Bastos para três dias de permanência, a convite do governo do Estado. Madame Curie foi recebida na Estação do Norte, no Brás, atual Estação Roosevelt, por autoridades, estudantes de medicina, personalidades da medicina e da ciência e franceses residentes na cidade. Dr. Eugenio Lindemberg, da Sociedade de Química, era um dos presentes, informa uma reportagem do jornal O Estado de São Paulo.
Entre seus principais compromissos em São Paulo constava uma palestra sobre radiologia no anfiteatro da Faculdade de Medicina, em Pinheiros. Para um auditório lotado, formado por professores da faculdade, médicos, estudantes de medicina e ‘muitas senhoras e senhoritas’, como informa a reportagem de O Estado de São Paulo, ela abriu a conferência recordando a descoberta de Becquerel – “foi este sábio que encontrou no urânio propriedades físicas inteiramente novas” – e garantiu: “esses fenômenos reservam ao mundo surpresas inconcebíveis”. Madame Curie afirmou que já eram conhecidos 40 elementos radioativos e falou mais detidamente sobre três séries: do urânio, do tório e do actínio. Ilustrou a palestra com ‘diversas projeções luminosas’ e explicou minuciosamente a existência de emanações no meio ambiente. A filha Irène e o cônsul da França, Marcel de Verneuil, faziam parte da mesa.
Na capital ela também fez uma demorada visita ao Instituto Butantan ‘tendo palavras elogiosas para a organização e os fins do Instituto’, diz uma reportagem de O Estado de São Paulo. Visitou também a Estação Biológica do Alto da Serra, a convite de seu diretor, Frederico Carlos Hoehne, e foi recebida por autoridades. Madame Curie e sua filha ficaram hospedadas no antigo Hotel Terminus, na Avenida Prestes Maia, no centro da cidade, já demolido.
Bertha Lutz, integrante do grupo que acompanhava Curie desde o Rio de Janeiro, enviou um relato publicado no jornal O Estado de São Paulo de 19 de agosto de 1926 informando que a cientista também fez contatos com autoridades do governo: “Alcançou êxito a visita da Sra. Curie acompanhada pela Federação do Congresso Feminino a São Paulo. Foram feitas visitas oficiais ao presidente do Estado e ao secretário do interior, recebendo-se a visita do prefeito. Acompanhadas de representantes da Faculdade de Medicina e de instituições científicas, visitamos o Instituto Butantã e as thermas radioativas de Lindoya. Desejaria salientar a ótima impressão da Sra. Curie obtida na Estação Biológica do Alto da Serra, dirigida pelo botânico Sr. Hoehne, do Museu Paulista, iniciativa de alto valor científico”. Observe-se que ‘presidente do Estado’ hoje significa governador do Estado.
Águas de Lindóia:
Aproveitando a proximidade da capital paulista e o convite feito pelo médico italiano Dr. Francisco Tozzi, Madame Curie decidiu fazer uma rápida viagem a Thermas de Lindoya, hoje município de Águas de Lindóia, para conhecer as fontes de águas radioativas. A viagem de trem, da Estação da Luz até Mogi Mirim, consumiu a manhã inteira do dia 14 de agosto de 1926, e foi feita em confortáveis poltronas pulmann, salientava a imprensa da época.
O jornal Gazeta Clínica, de São Paulo, na edição do dia 15 de agosto, conta que Madame Curie estava acompanhada da filha Irène e de uma comitiva de cientistas brasileiros. O trem deixou o grupo em Mogi Mirim, e de lá todos seguiram de carro até Thermas de Lindoya passando por Itapira.
Ao chegar a Thermas de Lindoya o grupo seguiu direto para o Hotel Glória, de propriedade do Dr. Tozzi, que ofereceu um almoço festivo ao grupo e inaugurou oficialmente um retrato da cientista em um de seus salões. Madame Curie e sua filha conheceram os hotéis, os pavilhões de banho, os locais de engarrafamento das águas, as fontes Filomena e São Roque e os salões de emanações. ‘Depois de um ligeiro descanso, percorreu a Sra. Curie os departamentos das termas, sempre acompanhada de químicos de São Paulo. No estabelecimento do rádio demorou-se algum tempo apreciando a ebulição das águas, dizendo nessa ocasião que aquele estabelecimento estava talhado a um grande futuro, e felicitava o Dr. Tozzi, pois as suas observações ligeiras asseguravam que aquelas águas eram fortemente radioativas’, informa uma reportagem do Jornal do Brasil.
“Madame Curie quis visitar Águas de Lindóia porque sabia que aqui existiam águas radioativas. Meu avô, quando fazia palestras, já citava a radioatividade da água. Em suas conferências, afirmava que as curas eram promovidas pela radioatividade”, conta Mirian Tozzi, neta do médico Francisco Tozzi, que em 1916 fundou o vilarejo de Thermas de Lindoya. O Dr. Tozzi, que era especializado em tratamentos termais, tornou a localidade famosa no mundo ao divulgar seus estudos sobre a composição e as propriedades curativas das águas que saíam das fontes do local.
Ela conta que o Dr. Tozzi deu o nome de Madame Curie a uma sala de emanações: “A sala tinha uma espécie de piscina, e da água saíam gases que formavam bolhas. Naquele local as pessoas doentes sentavam por algum tempo em bancos e respiravam as emanações do rádio liberadas na água”. A sala das emanações foi desativada quando o Estado desapropriou as termas, ela relata, e hoje está fechada ao público. Atualmente a piscina fica dentro de uma sala totalmente vedada, com acesso por uma pequena janela. Pode-se ver o fundo de rochas, e todo o ambiente é aquecido. A água, cristalina, com temperatura de 30°C, brota de uma fenda com um quilômetro de profundidade. “Este foi o lugar mais importante visto por Marie Curie em Thermas de Lindoya”, afirma Mirian Tozzi. A neta do Dr. Tozzi continua morando na cidade, e preserva um grande acervo de objetos, fotografias e textos do avô.
A comitiva que acompanhou Madame Curie a Águas de Lindóia tinha cerca de 20 pessoas de várias sociedades científicas, como a zoóloga e feminista Bertha Lutz, Bruno Chirstini, da Sociedade de Farmácia e Química, o médico Oswaldo Portugal, da Sociedade de Medicina e Cirurgia e Paulo Guimarães da Fonseca, representante da Sociedade de Química e professor da Escola Politécnica da USP. O grupo voltou a São Paulo de automóvel naquele mesmo dia.
Arquivo Mirian Tozzi/Reprodução Alex Silva -
Belo Horizonte:
Partindo de São Paulo no domingo à noite, Marie Curie e sua filha chegaram segunda feira, dia 16 de agosto de 1926, em Minas Gerais. Na longa viagem pelo trem noturno de luxo até Belo Horizonte, com uma parada em Barra do Piraí, foram acompanhadas pela deputada paulista Maria José de Queiroz, que, como Bertha Lutz, foi uma das pioneiras do feminismo no Brasil. Segundo o Prof. João Amilcar Salgado, fundador do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais, o grande interesse de Madame Curie na capital mineira era conhecer o Instituto do Rádio, primeiro hospital especialmente dedicado ao câncer a funcionar nas Américas.
Construído em 1922 por iniciativa do diretor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Prof. Borges da Costa, o Instituto foi criado com o objetivo estudar o rádio e os raios-X, divulgar a doença ao público e fazer atendimento à população. Madame Curie e Irène conheceram as instalações do Instituto, assinaram o livro de registro de visitas e bateram uma foto histórica, nos jardins da edificação, ao lado de médicos, funcionários e do Dr. Borges da Costa, que foi o primeiro diretor do hospital.
No dia seguinte, de acordo com o Prof. Salgado, Marie Curie fez uma conferência sobre a radioatividade e suas aplicações, na Faculdade de Medicina. Na platéia, estudantes de medicina que depois se tornariam personalidades famosas no país: Pedro Nava, Juscelino Kubistchek e João Guimarães Rosa. Anos mais tarde o Instituto do Rádio mudaria de nome, passando a se chamar Instituto Borges da Costa, em homenagem a seu fundador. Continua em funcionamento até hoje, depois de passar por uma grande reforma. Jornais que acompanharam a cientista relatam que Marie Curie e sua comitiva também fizeram visitas a autoridades do Estado e à prefeitura de Belo Horizonte.
A comitiva embarcou para o Rio de Janeiro na quarta-feira, dia 18. De volta ao Rio depois do giro por São Paulo e Minas, Marie Curie foi homenageada pela Academia Nacional de Medicina em 19 de agosto, sendo declarada sócia honorária, e lá fez mais uma conferência. Mãe e filha voltaram à França no dia 28 de agosto, à bordo do navio Lutetia. Marie Curie manteve seu trabalho no Instituto do Rádio, e continuou a fazer viagens internacionais. Ela morreu oito anos depois de visitar o Brasil, em 1934, aos 67 anos. O Instituto do Rádio, fundado por ela em Paris em 1909, existe até hoje. É o maior centro dedicado à pesquisa do câncer na França. Lá funciona o Museu Curie, no mesmo local em que, em 1898, Pierre e Marie, trabalhando em um laboratório improvisado, descobriram o polônio e o rádio, dando início a toda esta história.
Escândalo:
Notícias de jornal da época informam que Madame Curie visitaria outras localidades durante sua estada em Minas Gerais. Ela iria a cidades próximas a Belo Horizonte, como Lagoa Santa, Sabará e a mina de Morro Velho, hoje situada em Nova Lima. De acordo com o fundador do Centro de Memória da Medicina, da Faculdade de Medicina da UFMG, Prof. João Amilcar Salgado, estes passeios foram cancelados em cima da hora porque as esposas dos médicos e dos representantes de associações científicas ficaram enciumadas. Estes temores explicam-se pelo grande escândalo que envolveu Madame Curie 15 anos antes de sua visita ao Brasil. Viúva e jovem, ela teve um envolvimento amoroso com o físico Paul Langevin, brilhante ex-aluno de seu marido Pierre Curie. Em 1911 Langevin já estava separado da mulher, com quem teve quatro filhos, quando se aproximou romanticamente de Curie, mas a imprensa conservadora da época acusou Madame Curie, uma estrangeira e ainda por cima com hábitos não convencionais, de ter acabado com o casamento de respeitáveis cidadãos franceses.
Cartas trocadas entre Langevin e Curie foram publicadas pela imprensa sensacionalista. A comoção popular foi tão grande que manifestantes chegaram a fazer piquetes em frente à residência dos Curie, em Paris. O escândalo estourou na mesma época em que a cientista polonesa era anunciada como ganhadora do Prêmio Nobel de Química, em 1911. Abrigada na casa de amigos com as duas filhas, Marie Curie rompeu o relacionamento com Langevin e declarou-se envergonhada por macular o nome do marido Pierre Curie.
Texto
Mari Menda – Jornalista
Depto. Comunicação e Marketing
do Conselho Regional de Química IV Região -
Publicado em 29/09/2011
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