Não há café da manhã ou jantar nordestino que passe sem algumas fatias de um bom queijo de coalho ou manteiga. Para além das mesas caseiras, os queijos do Nordeste já ganharam as ruas, vendidos em espetinhos por ambulantes, e também os cardápios de alguns restaurantes que praticam desde a culinária regional até a alta gastronomia. O Rio Grande do Norte está, aos poucos, sendo reconhecido como um dos grandes produtores, senão o maior, da região no quesito qualidade. Queijeiras potiguares se destacam frequentemente em concursos de alcance regional, provando que alguns dos laticínios mais saborosos do Brasil saem daqui – apesar de uma série de entraves burocráticos que envolvem essa indústria.
O melhor do Nordeste
O sabor dos queijos potiguares foi ressaltado recentemente pela participação no 7º Concurso de Queijos Regionais do Nordeste, um evento que fez parte da programação do VII Encontro Nordestino do Setor de Leite e Derivados (Enel 2009), realizado em junho passado. Foram premiadas a queijeira Dona Gertrudes, de Caicó, que teve seu queijo de manteiga posicionado em 1º lugar, acompanhada em 2º lugar na mesma categoria pela LF Laticínios (de Jardim de Piranhas). Já no quesito queijo de coalho industrial, a premiada foi (pelo terceiro ano), a queijeira Dona Márcia, de Monte Alegre. Dona Gertrudes também foi premiada como melhor queijo de coalho artesanal.
Tacho para preparação do queijo de manteiga artesanal de Gertrudes
A queijeira de Gertrudes Fernandes de Araújo é um negócio de família iniciado há mais de 30 anos. A filha de Gertrudes, Alane Araújo, conta que a mãe fazia só para consumo próprio, até que os vizinhos passaram a pedir encomendas e o comércio foi nascendo. Hoje, é uma empresa de porte médio. Boa parte da produção vai para a capital, em açougues, padarias, lojas regionais como o Cantinho Sertanejo, e restaurantes como Farofa d’Água, Camarões, e Hotel Pestana. A cada 15 dias, também há encomendas para São Paulo, além de várias capitais nordestinas.
O melhor artesanal
A queijeira Gertrudes ainda é essencialmente artesanal, porém adaptada a algumas normas atuais. Há maquinários modernos em inox, sendo a principal a desnatadeira elétrica, que processa o leite. O resto do processo é artesanal, feito à base de leite cru (não pasteurizado), com objetivo de produzir um queijo sem muito sal e soro. “É preciso sentir o sabor do queijo, sem acréscimos”, diz Alane. A empresária teme que o processo de mecanização faça com que o queijo tradicional perca em consistência, sabor e textura. Queijeiras artesanais como as dela têm dificuldade em se adaptar às legislações atuais de produção. “É um estudo demorado para provar que o produto tem as condições necessárias para ser comercializado conforme as regras atuais. A gente se sente num impasse, apesar do apoio que o Sebrae e Emater nos dá. Sentimos falta de ações do poder público que facilite nosso negócio”, diz.
O melhor industrial
A mineira Márcia Carbogim pôs Monte Alegre, a 45km de Natal, no mapa nordestino da produção de queijo desde 2003. A produção de Dona Márcia é totalmente industrial mas, segundo ela, preocupada em manter a textura, o sabor e a consistência do queijo artesanal. É um queijo que “range” quando está sendo mordido e não derrete na chapa. “Pesquisamos muito para manter o padrão de sabor, mesmo usando o leite pasteurizado em vez do cru”, afirma. Ela conta que a empresa tem laboratórios que faz os exames necessários para manter o leite tipo ‘AA’, e gado próprio tratado com homeopatia e ração balanceada. O leite deve ser isento de brucelose e tuberculose. O queijo de Monte Alegre pode ser encontrado em vários pontos do estado, inclusive supermercados, já que possui selo de permissão para esse tipo de venda. Além do coalho, a Dona Márcia produz também queijo Minas e ricota. Raoni Carbogim, sócio-gerente e técnico de laticínios da empresa, afirma que a diversidade é necessária para sobreviver no mercado local. “A gente paga impostos altos pelo leite. Fica difícil concorrer com os laticínios subsidiados pelo governo que vêm de fora”, lamenta. Ele afirma que faltam mais incentivos do estado para que suas queijeiras possam se manter dentro dos padrões exigidos pela legislação federal. “O RN acaba ficando pra trás em muita coisa”, diz.
Artesanal x Industrializado
Acácio Brito, gestor do projeto de leite e derivados do Sebrae-RN, confirma a necessidade de a produção de queijos do estado – que é basicamente artesanal – se adaptar aos recursos exigidos, principalmente na questão higiênica. “É óbvio que a pasteurização interfere no sabor do queijo. Mas, tem a questão de o leite cru ser mais suscetível às doenças. Há um impasse entre a produção artesanal e industrial, e aí entra o trabalho de orientação do Sebrae e Emater”, explica. São cuidados como as boas práticas de ordenha, controle sanitário de rebanho, melhoria das instalações e equipamentos, tratamento de água, transporte adequado do leite, entre outros.
Queijos artesanais levam o “ferro” da queijeira de origem
Segundo Acácio, o entrave é o fato de não haver uma legislação estadual que cuide dos pequenos produtores potiguares. “A legislação federal exige uma série de recursos que o pequeno produtor não consegue manter. Temos 19 queijeiros que desejam sair da informalidade e ganhar o selo da Indicação Geográfica, que valoriza e mantém a produção de caráter regional. Precisamos de uma legislação estadual sobre o assunto, e estamos aguardando o desdobramento desses processos”, diz. Por enquanto, é preciso confiar na qualidade dos bons produtores. Atenção nos melhores queijos, então.
Fazendo bonito nos cardápios regionais
Para os restaurantes de culinária regional, queijos de coalho e manteiga são ingredientes de primeira ordem. No Âncora Caipira, a iguaria láctea pode ser saboreada no café da manhã, assada por cima da carne de sol, ou em sobremesas com mel de engenho (derretido), em doces de leite, coco ou goiaba, e ainda em forma de cartola, misto de queijo de manteiga derretido, banana frita, canela e chocolate em pó. O proprietário Gustavo Azevedo compra o queijo de São José do Seridó. O produto é artesanal, mas ele faz questão de que seja algo bem cuidado e de qualidade.
“Não pode ser mais como nos meus tempos de menino, em Parelhas. Hoje tem que ser tudo embalado à vácuo, bonitinho, higiênico, mas com o sabor do queijo da fazenda. Com pesquisa e bons contatos já se acham esses produtos”, diz. De queijo, ele entende.
“Uma tia minha fazia na fazenda. Eu acompanhava todo o processo do leite cozinhando, soro, nata, as mexidas nas panelas, até chegar nas formas de madeira para esfriar. Procuro queijos com o mesmo sabor daquela época”, diz.
O chef Arthur Coelho, carioca da gema, teve seu primeiro contato com o queijo coalho em 2000, já morando em Natal. Ele fez um jantar para um chef francês convidado, que consistia na fusão de ingredientes regionais e internacionais. O carpaccio de carne de sol com queijo coalho agradou em cheio. “O chef adorou, pediu receita e tudo mais. Só seria difícil ele encontrar a carne e o queijo na França”, diverte-se. A partir daí, Arthur não parou mais de experimentar com os ingredientes da terra.
“O queijo coalho é fantástico, porque tem uma boa acidez, um sabor bem característico. É muito versátil, e pode substituir os queijos estrangeiros em diversas receitas”, afirma.
Em pratos gratinados, por exemplo, pode substituir o queijo mussarela ou o requeijão; mesmo caso nos risotos. Arthur já produziu iguarias como um cheese-cake de coalho, e o purê de abóbora com carne de sol e queijo coalho gratinado.
“Sair do lugar-comum é a ideia, não se pode pensar apenas em queijo assado. Cozinha contemporânea é isso: fazer uma releitura do clássico, sem tirar o sabor dele”, diz. É algo ótimo para se fazer com os queijos do Nordeste.
Fonte: Tribuna do Norte - autoria: Tádzio França, edição: Cinthia Lopes.
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